domingo, 16 de setembro de 2007

Representações da Imprensa Protestante no Brasil

Representações da imprensa protestante no Brasil
ANDRÉA BRAGA FONSECA[1]
No mundo contemporâneo, podemos observar um ressurgimento do sagrado em suas mais variadas instancias. Nesse processo, nota-se a contribuição dos chamados protestantes. O protestantismo de origem pentecostal ou neopentecostal tem tido visibilidade através de mídias variadas para veicular mensagens . No entanto, o uso de mídias para difundir os ideais do grupo protestante não é uma novidade. Desde sua chegada ao Brasil, inícios do XIX, os protestantes perceberam a imprensa com uma ferramenta para cristalizar suas idéias em um mundo católico, firmar suas opiniões e atrair um publico maior.
É sobre essa imprensa que tenho me debruçado desde a minha dissertação de mestrado, onde foquei a imprensa de um grupo especifico – os batistas. Agora no doutorado ampliei o foco e passei a trabalhar não só com a imprensa batista, mas também a imprensa presbiteriana e metodista.
A proposta do trabalho que aqui apresento é pensar um pouco no tratamento que tenho dado a esses jornais como fontes histórica e pensar ainda que rapidamente algumas perguntas - como através desses jornais esses grupos forjaram tradições, discursos que legitimaram suas posições.

Sobre a imprensa evangélica (dos protestantes históricos) há uma enorme lacuna. A questão de estudar a imprensa evangélica se agrava pelo fato de muitos de seus jornais já terem desaparecidos, outros estão em estado de decomposição, ou criam-se dificuldades para o pesquisador ter acesso a esse material, visto que estão em arquivos particulares e não em instituições públicas.
Desde Gilberto Freyre os historiadores passaram a utilizar-se da imprensa como fonte, esta que até então era relegada a um plano secundário, como nos mostra Humbertos Fernandes Machado[2]. Com os estudos históricos que destacam a abordagem político e cultural, chegou-se a conclusão que a imprensa pode fornecer ricas informações a respeito de uma sociedade, as condições de vida de um determinado grupo, suas manifestações culturais e expressar seus pensamentos. Ou seja, a imprensa ao mesmo tempo em que é fonte documental passa a ser percebida também como agente histórico. A imprensa segundo esse mesmo autor pode transformar simples ocorrências em notícias com o objetivo se atingir uma repercussão maior junto ao publico leitor, ou simplesmente omitir, ou silenciar diante de outras. Portanto cabe ao historiador o cuidado para não superestimar ou subestimar a fonte transformando em “verdade absoluta”
Nesse sentido, escrever a história da imprensa não é, certamente, alinhar fatos e datas, nomes e mais nomes, nem destacar os personagens que se tornaram singulares na construção engendrada no passado para o futuro. Assim, construir uma história da imprensa é fazer o mesmo movimento que se produz para a “escrita da história”, seja qual for o objeto empírico pesquisado. É perceber a história como um processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos, silêncios que dizem mais do que qualquer forma de expressão, e que na maioria das vezes não foram deixados para o futuro. Compete ao historiador perguntar pelos silêncios, identificar no que não foi dito uma razão de natureza muitas vezes política. Assim, falar em história da imprensa é falar em processos comunicacionais e das intricadas relações que se desenvolvem em torno desse sistema de comunicação.
Esse sistema deve considerar aquilo que Robert Darnton conceitua como o circuito da comunicação, isto é, o percurso que se faz e que vai dos produtores do texto às formas de apropriação diferenciadas das mensagens pelo público. Falar em história da imprensa é, portanto, se reportar ao que se produziu, de que forma, ao como se produziu, para quem se produziu e que conseqüências trouxe essa produção para a sociedade. É se referir, igualmente, a forma como o público reagiu àquelas mensagens e perceber de que forma realizaram leituras ou interpretações plurais. Formas de leituras, formas de apropriação, interpretações plurais de sentido.
Estamos, portanto, inserindo a produção de uma história da imprensa dentro de um campo claramente configurado e que se denomina história cultural.
a história cultural deve, na definição de Roger Chartier (1990), identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma dada realidade é construída, pensada e dada a ler.
Quando enfatiza a expressão “dada a ler”, Chartier coloca em relevo a questão da interpretação, fundamental na operação historiográfica. É preciso perceber que qualquer história é reinterpretação, reinvenção, reescritura. Não há possibilidade de recuperação do passado tal como ele se deu: o passado é inteligível nas fimbrias das narrativas que ele mesmo compôs. O que o historiador faz é um ato ficcional, não no sentido de que aquilo que descreve não tenha se dado, mas considerando sempre o grau de invenção, composição, interpretação, inserção do sujeito pesquisador que compõe a história a ser interpretada. Não há possibilidade de isenção diante de qualquer construção humana.
Ao trabalhar também com o recorte da história cultural, Robert Darnton (1990) propõe a realização de uma história social e cultural da comunicação impressa. Para ele, o estudo dos meios de comunicação no seu sentido histórico deve envolver todo o processo de sua construção e este movimento termina na interpretação dos leitores. Assim, ao escrever a história da imprensa é fundamental visualizar a invenção criadora do público no instante em que realizam o processo de recepção e também caracterizar práticas que se apropriam de modo diferente dos materiais que circulam em determinadas sociedades, identificando-se as diferenças.
Assim, fazer história da imprensa é estudar um corpus específico de textos ou de textualidades, considerando também a relação dos leitores com esses objetos culturais. A chave metodológica para este movimento é dada mais uma vez por Roger Chartier ao realizar aquilo que ele denomina história das práticas de leitura. Influenciado pelos autores da estética da recepção de efeito, Chartier introduz em suas análises não apenas a recepção do texto pelo leitor, mas o intervalo existente entre a produção do autor e a sua recepção pelo leitor, sito é, o trabalho de edição / impressão.[3]
Com um enfoque metodológico um pouco diversificado, Robert Darnton também estuda as correlações texto literário e difusão da informação.Visualizando de maneira ampla a abordagem de Darnton, podemos dizer que se preocupa em ver como as idéias eram transmitidas pelo impresso e como a palavra impressa afetou o comportamento dos leitores diretamente em contato com aqueles textos.
Neste sentido, o modelo proposto por Robert Darnton para a construção de uma história social e cultural da comunicação impressa é primoroso. É preciso desvendar, quando se fala em história da imprensa, quem escrevia nesses jornais, como procuravam se popularizar - ou seja, que estratégias, apelos e valores esses veículos invocavam no seu discurso -, como funcionavam essas empresas e de que forma esses textos chegavam ao público. Percorrido esse caminho é preciso ver ainda como os leitores entendiam os sinais na página impressa, quais eram os efeitos sociais dessa experiência[4].
Recomendando uma colaboração estreita entre críticos literários e historiadores, uma vez que para ambos a leitura pode ser o central na análise, chama a atenção para o fato de os críticos cada vez mais tratarem a literatura como uma atividade e não apenas como um corpo estabelecido de textos. O significado de um texto não se encontra imobilizado em suas páginas mas é construído por seus leitores.
As representações sociais aqui estão relacionadas a quatro dimensões como apresentadas por Abric (1994).
1 – Funções do saber: permitindo compreender e explicar a realidade. Na medida em que os atores sociais adquirem esses conhecimentos e as integram a um quadro assimilável e compreensível para eles permitem um quadro de referencia comum o que permite a troca social.
2 – Funções idenditárias = definem a identidade e permitem a especificidade dos grupos facilitando sobretudo o processo de socialização.
3 – Funções de orientação = guiam os comportamentos e as práticas. Definem o que é licito, tolerável ou inaceitável em um dado contexto social.
4 – Funções justificatórias = permitem justificar as tomadas de posição e os compaortamentos. Interferindo também na ação permitindo que os atores expliquem e justifiquem suas condutas em uma situação.

II – Imprensa Evangélica: As Novas de Grande Alegria.
Desde o inicio há uma preocupação em cristalizar o discurso para um treinamento e solidificação melhor. Por isso a história da editoração evangélica se confunde com a história do próprio protestantismo brasileiro. Os primeiros missionários batistas por exemplo, se empenharam em criar uma editora, para publicar é lógico Bíblias, mas também folhetos, livros, revistas, e jornais. Principalmente porque o acesso a livros era raro, a difusão de sua doutrina vai se dar primordialmente pelo jornal. Acreditavam que dessa forma além de evangelizar e doutrinar podiam se apresentar ao público brasileiro, de uma forma positiva. Essa editora formaria com o setor educacional uma só entidade, que teve vários nomes, tornando-se em 1967 em Junta de Educação Religiosa e Publicações (JUERP), era considerada a maior editora evangélica do país.
Os momentos finais do século XIX corresponderiam segundo Sodré[5] ao período de formação da grande imprensa nacional, ou seja, da transformação de jornais que passavam de experiências individuais para grandes empresas. Veiculando, refletindo as novas concepções de mundo desde período, apresentado conceitos como: “Progresso”, “Modernidade”, “Ciência” e o País como uma nova república repleta de potenciais.
Desde o inicio (e principalmente no período descrito por Sodré) o jornal foi percebido como um meio poderoso para divulgar o protestantismo. Esses não se constituíram em grandes empresas, mas essa estratégia foi mantida.
O interesse pelos jornais foi de alguma forma torná-los conhecidos do público, assim como suas idéias. Esta estratégia se deu inclusive com um missionário batista Willian Entzminger, que a partir de 1891, perseguido pela igreja católica, divulgou suas idéias pela imprensa como forma de coagir essa perseguição. Ele contactou um dos principais jornais da cidade de Recife – Jornal do Recife - , dizendo que queria defender os “crentes” das falsas acusações dos padres Católicos. Depois de muita insistência conseguiu uma coluna periódica para defender os postulados evangélicos. Segundo este mesmo missionário o resultado foi excelente. A perseguição católica perdeu o apoio da opinião publica na área de alcance daquele jornal.

2.1 – Jornais Presbiterianos
O missionário, doutor Kalley, presbiteriano, tentou utilizar os jornais da corte para propor a religião evangélica como alternativa à do Estado (Católica) e assim usou a seção livre do Correio Mercantil (RJ) para publicar a tradução em português do livro “O Peregrino[6]”. Ainda vai continuou escrevendo inúmeros folhetos com vários pseudônimos como “um crente”, “um cristão verdadeiro”, “o crítico”.
Percebendo a eficácia da imprensa, Simonton fundou o primeiro jornal presbiteriano a Imprensa Evangélica, cujo primeiro numero data de 5 de novembro de 1864. seus claros objetivos religiosos eram mostrar a sociedade que as almas estão aflitas para reconciliar-se com Deus. Para esses primeiros missionários o jornal poderia ser transformado em Púlpito de âmbito nacional. A Imprensa Evangélica foi publicada por quase três décadas, ate aos 2 de julho de 1892. Vamos perceber o que nos diz o Jornal “A Imprensa Evangélica”:

Nesta época a imprensa é a arma poderosa para o bem ou para o mal. Devemos trabalhar para que se faça e se propague, em toda a parte, uma literatura religiosa em que se possa beber a pura verdade ensinada na Bíblia, que propague as novas de grande alegria. ( IMPRENSA EVANGELICA, 7 de outubro de 1871, p. 28)

Em 1893, a Igreja Presbiteriana voltou a ter um órgão oficial de imprensa: Revista das Missões Nacionais - publicação que teve o primeiro número datado de 31 de janeiro de 1887 e que chegou a circular junto com a Imprensa Evangélica. Seu diretor era o pastor e professor Eduardo Carlos Pereira, principal personagem do cisma que originou a IPB em 1903 e que por esse motivo foi afastado da direção desse periódico. O grupo dirigido por Eduardo não ficou sem veiculo de imprensa para divulgar suas idéias. Ainda quando dirigiam a Revista publicavam em todos os números um encarte intitulado : “O Estandarte”. Exonerados da Revista transformaram-no em novo jornal O Estandarte, (publicado em São Paulo) cujo primeiro numero independente foi publicado aos 7 de janeiro de 1893. O Estandarte é até hoje o jornal oficial da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil , possivelmente um dos mais antigos jornais da América Latina ainda em circulação. Neste quadro portanto tinha-se de um lado a Revista das Missões Nacionais representado os adeptos da Maçonaria e favoráveis a intervenções das missões estadunidenses e de um outro lado O Estandarte fazendo oposição. No meio dessa disputa nasceu outra publicação de relevo, sob a direção da Igreja Presbiteriana do Rio , o primeiro numero de O Puritano foi publicado no dia 8/6/1899, no Rio de Janeiro. O objetivo era apresentar um projeto de salvação para resgatar o povo brasileiro ainda moldado segundo a concepção deste jornal por comportamentos ibéricos e tão envolvido na superstição da igreja católica. O Puritano só deixou de ser publicado aos 25 de julho de 1958 por decisão do Supremo Concilio da IPB e contra a vontade do próprio jornal.
Outros jornais deste grupo também circulava no Brasil. Em 1874 foi organizado o “Púlpito Evangélico” pelo Reverendo Emanuel Varnodem em SP, esse jornal durou até 1875. Ainda neste ano, o mesmo Reverendo fundou outro jornal, para substituir o primeiro que havia sido extinto – “O Pregador Cristão”. Esse durou 10 anos. E em 1870, José Carlos Rodrigues fundou o “Novo Mundo”, este jornal circulou por 9 anos e era publicado em Nova Iorque.
Tais jornais tinham forte penetração nos espaços protestantes e na sociedade por tratar de assuntos ligados ao liberalismo, educação, filosofia, religião, política, contribuindo para a formação e esclarecimento da opinião publica. Interessante destacar por exemplo, que no Nordeste na cidade de Natal , o Reverendo Willian Calvin Porter em 1895, lançou o primeiro numero do jornal O SÉCULO favorável a causa republicana, que publicava textos de política em meio a textos de religião.

2.2 – Jornais Batista
Os primeiros missionários batistas por exemplo, se empenharam em criar uma editora, para publicar é lógico Bíblias, mas também folhetos, livros, revistas, e jornais. Principalmente porque o acesso a livros era raro, a difusão de sua doutrina vai se dar primordialmente pelo jornal. Acreditavam que dessa forma além de evangelizar e doutrinar podiam se apresentar ao público brasileiro, de uma forma positiva. Convencido da eficácia da imprensa Entzminger juntou o jornal que era publicado no norte do Brasil e no Sul para formar O JB, com o objetivo de ter uma divulgação nacional.
O pensamento dos Batistas a respeito da imprensa: “O Jornal Baptista como Auxiliar na Educação” :

Que tem o que o Jornal Baptista como auxiliar na educação? Respondo: Tem muito. É por meio dele que acabo de vos falar. É por meio dele que temos a cada passo ventilado este importantíssimo assunto e suscitado o interesse não só no nosso meio Baptista, mas até alem, e bem alem das suas barreiras. Eis com o Jornal Baptista é um grande auxiliar na bôa e sã educação.” ( 17/06/1915,p.2).


Os jornais organizados por essa denominação foram : “Echo da Verdade” ( BA – 1886/1900); “O cristão Brasileiro” ( RJ – 1887/1900), “As Boas Novas” ( RJ – 1894/1900) e “ O Jornal Batista” ( RJ - 1901 até os dias atuais). Os três primeiros jornais tiveram suas atividades muito mais locais, enquanto que o último tem por objetivo atingir o grupo nacionalmente.
Os protestantes se viam e eram visto como representantes do progresso. O espaço privilegiado para a divulgação dessas idéias era naturalmente a imprensa. Este veiculo portanto, é percebida como um púlpito de âmbito nacional e apoio para catequese dos recém convertidos.
Os artigos (foram escritos exclusivamente para este jornal), além de matérias escritas em outras cidades que não o Rio de Janeiro. A existência de matérias publicadas pelo Jornal Batista que foram escritas em outras cidades diferentes das de sua publicação, pode denotar que este jornal se pretendia porta voz amplo da igreja, não se restringindo a comunidade estabelecida no Rio de Janeiro. Tenta, portanto, abarcar os vários núcleos espirituais no Brasil, e também, que, por outro lado, esses mesmos grupos o viam como seu representante, uma vez que efetivamente colaboravam com este, enviando artigos e cartas.
Este jornal tinha como publico a população que circulava pelos colégios, ou seja, alunos, professores, funcionários, etc. E como público certo as pessoas envolvidas nas escolas dominicais. Alem disso um outro sistema de distribuição era o incentivo para que outros órgãos da igreja consumissem esse jornal e por um sistema paralelo tentava abranger um publico que não necesseriamente se ligasse ao colégio ou as escolas batistas: o sistema de assiantura.
A estrutura do jornal, isto é, sua divisão, releva muito de seu intuito educacional e até ideológico. É possível dividi-lo em quatro partes bastantes claras:
1 – artigos variados que se auto-denominavam “Actualiadades”
2 – artigos doutrinários, com uma seção de perguntas.
3 – noticias e cartas sob assuntos relativos a própria igreja e seu progresso “evangelístico”
4 – uma seção feminina.
A primeira parte chamada “Actualidades” sempre trazia noticias do mundo todo, inclusive noticias históricas, políticas e cientificas, mostrando o tom de moderno do jornal. A segunda parte, trazia sempre historias bíblicas ou da Igreja, que tinha por objetivo principal instruir os leitores que não tinham acesso a uma evangelização forma. Esses artigos poderiam ser usados nas escolas dominicais, como eles deixam bem claro. Este jornal era, portanto, uma fonte de educação continuada.
A segunda seção do jornal parece objetivar a transmissão de uma determinada conduta no caso, considerada apropriada pela igreja, aos leitores, seguindo quase que os moldes de um manual, da mesma forma que acontece com a seção denominada “Feminina”.
A terceira seção, trata de temas diversos, tais como família, igreja, perseguição promovida pelas igrejas católicas e outros temas.
Estes é um quadro geral do jornal, fundamental para se entender, em certa medida, a analise especifica desejada por este trabalho.
Em alguns artigos percebe-se a preocupação com aquilo que chamamos de “Pedagogia da diferença” – marcada por dois aspectos básicos: mostrar a superioridade da cultura anglo-americana e combater o catolicismo considerado um aspecto fundamental da cultura brasileira. (MOSTRAR A PROPAGANDA)
Ao apresentar comportamentos anglo-americanos, aqui o protestantismo entrou em choque com comportamentos herdados de um cultura ibérica. No Brasil foi preciso lidar com a relativização de um desencantamento do mundo racionalista modernizante. Sobretudo no que tange ao sincretismo peculiar as religiões no Brasil. O protestantismo teve que lidar com o “pensamento mágico”, crendices e supertiçoes. Ou seja, o fato de boa parte dos brasileiros, acreditarem em espírito, e manterem permanente preocupação e relações com o sobrenatural, fazendo com que as trajetórias individuas sejam permeadas por essas representações. O bem estar, o sucesso e a felicidade dependem de diversas variáveis como a família, o trabalho, mas o sobrenatural ocupa um espaço determinante. Não é a idéia única do “self-made-man”, mas a de que o individuo depende além de seus méritos e capacitades de uma relação bem sucedida com santos, guias, orixás e mediadoes como pais e mães de santos, padres e sacerdotes, imagens simbólicas dentro de próprio ritual cultico. Não há a representação de figuras comuns de uma religião cristã tradicional como um templo, a Bíblia, o símbolo da cruz ou mesmo um sacerdote. Esta ausência parece indicar o esvaziamento do sagrado e a identificação com uma modernidade que traz em si a secularização, que dispensa a piedade e racionaliza o sobrenatural, a idéia daquilo que Weber chamou de “eliminação da magia do mundo”
Com conseqüência a pouca eficácia dos modelos apresentados pelo protestantismo, modelos esses que não passam pelo sobrenatural, mas que desmistificam o mundo e trabalhando primordialmente com a palavra – cantada, lida ou refletida.
Através das páginas desses jornais nota-se portanto, a preocupação em desconstruir o sistema religioso herdado de um mundo ibérico e relacionar suas ideias ao mundo anglo-americano. Portanto, a concepção messiânica norte-americana associada a consciência missionária estimulou o tripé – religião/moralidade/educação. Valorizava-se um modelo de sociedade (a norte-americana). Como por exemplo:
“Recomendações:
1 – o crente não pode ficar ocioso, nem mesmo 1 hora por semana. Se ficar estar perdendo tempo.
2 – o crente deve ter a casa limpa. Ele também deve estar limpo. Jesus ama o pobre, mas condena a preguiça.”

A postura dos jornais é a desvalorizaçao da cultuar brasileira, vista como expressão de uma sociedade atrasada, carente de modificações que a tornem adequadas com a realidade dos novos tempos, dos quais a sociedade americana é parâmetro como mostra o trecho abaixo:

A base de todo progresso, é a lei, ordem. Falando sobre os tres elementos principais do verdadeiro progresso, são eles: a liberdade, a educação e a moral. Sobre a educação falam o seguinte: a fraqueza de um país é o analfabetismo; a ignorância é irmã gêmea da supertiçao. Não é posivel ter progresso em qualquer país onde 75% do povo é analfabeto. Em nossa irmã [EUA], há 5% de analfabetos, sendo que só 1% dos legítimos americanos são analfabetos. Há escolas em todo o país, tanto na roça quanto nas cidades”. (Jornal Batista, 13 de abril de 1901, p. 5)
Esses grupos se apresentavam como agentes do progresso com um transfundo do liberalismo que visaria ao desenvolvimento da liberdade de expressao e consciência, elemento característico do modo batista de penar. Como descrito na tese de Ginsburg:

“Nos os batistas, poderemos justificar a nossa intervenção em todos os ramos, porque somos os fundadores da democracia moderna. Não cremos em classes ou posições privilegiadas. O nosso ideal desde os tempos de Cristo tem sido: em política – governo do povo pelo povo; em religião – a responsabilidade direta da alma humna para com Deus, sem internvençao de terceiros. No campo político – um pouco de caráter Batista na política brasileira que diferença não operaria?! No campo de finanças, o Brasil necessida da honestidade Batista... o mesmo se pode alegar no campo social e moral. Ali é a grande a necessidade é de livros, e imprensa Batista capaz de formar caracteres adamantinos...necessitamos de escolas e academias onde possam ser ensinados os princípios batistas ...sem a mescla de heresias que arruínam e estragam o brasileiro. O Brasil está passando por uma crise....O romanismo perdeu seu valor. O positivismo já teve o seu tempo...é coisa de graúdos...o protestantismo esse sim é capaz de transformar a nação brasileira num povo cristão”. (Jornal Batista 22 e 29 de agosto de 1907)
Enfim, é apresentado dessa forma uma dualidade entre o imaginário americanista e salvacionista dos pioneiros tentanto implantar o reindo de Deus (ou seria dos norte-americanos)



Conclusão
Ao responder a questão referente à relação entre protestantismo/modernidade/cultura brasileira, adotamos procedimentos que julgamos serem passos necessários para nossa pesquisa. Partimos da noção de representação e analisamos o discurso literário, o jornal e a iconografia.
O paraíso aparece no quadro dos "Dois Caminhos" como o destino final da jornada do fiel protestante. Mais do que uma esperança futura, o paraíso correspondeu a questões práticas e culturais no âmbito do cotidiano e das relações sociais. Em função dele, foram conformadas as ações e as visões religiosas de mundo. Posturas, gestos, rupturas culturais e religiosas, tornaram o protestante visível no campo social. A Imprensa por sua vez, é representativo do posicionamento protestante afinado à modernidade e suas tecno-ideologias do progresso. O paraíso bem que poderia ser construído aqui mesmo.
O protestantismo, nas representações analisadas, foi categorizado como tendo uma austeridade ética diante das extravagâncias e da sexualidade frouxa do contexto brrasileiro. Foi visto como um aparato racional em suas interpretações da vida comum, ao mesmo tempo letrado e enrubescido.
O protestantismo tentou desconstruir o sistema religioso baseado numa culpa ritualizada e exteriorizada, e internalizou-a como forma de domínio mais eficaz do corpo e das paixões, transpondo o conflito entre desejo e obrigação. O protestantismo projetou-se no cotidiano das pessoas no momento oportuno e coincidente das mudanças tecnológicas inseridas no espaço público e doméstico. Daí podermos relacionar a constituição do protestantismo com a modernidade e suas transformações, principalmente, mais tarde com todo um discurso higienista que apresentava como proposta o controle do corpo e das paixões.
O protestantismo pode ser vislumbrado como um conjunto de práticas e mentalidades que atravessavam todos os seus ramos. Poderiam estar reunidas em instituições, portadoras de um ideal de sociedade e de indivíduo projetado pela religião reformada. Mas foram, ao mesmo tempo, espaços convergentes das ações de uma rede de relacionamentos por parte de agentes responsáveis pela sua manutenção. Como "intelectuais orgânicos" do movimento religioso, ele foram gestores financeiros do universo protestante em formação.
As primeiras duas décadas do século XX, além das mudanças do posicionamento da Igreja Católica no campo político e religioso no Brasil republicano, viram, portanto, o protestantismo alcançar novas posições no campo religioso.


BIBLIOGRAFIA
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FONTES:



[1] * Doutoranda em Historia, linha de pesquisa História e Cultura – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
[2] MACHADO, Fernandes Humberto, “A Imprensa do Rio de Janeiro na crise do escravismo”. In: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das & MOREL, Marco. História e Imprensa: homenagem a Barbosa Lima Sobrinho – 100 anos, Anais do Colóquio, UERJ/IFCH, 1998
[3] A concepção de Chartier difere da própria estética da recepção, que não considera em suas análises esse intervalo, postulando uma relação direta e imediata entre o texto e o leitor, entre os signos textuais usados pelo autor e o horizonte de expectativa daqueles aos quais ele se dirige. Cf. CHARTIER, Roger et alli. Les usages de l’imprimé (XV-XIX). Paris: Fayard, 1981. Lectures et lecteurs dans la France d’Ancien Régime. Paris: Editions du Seuil, 1987. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
[4]Darnton, op. cit., 1990, p. 112.
[5] Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil, 2a ed., Rio de Janeiro: Graal, 1978.

[6] Neste livro o autor João Bunyan retrata um caminho áspero, cheio de obstáculos, que leva ao céu. Um outro largo, repleto de facilidades que leva ao inferno. Mas os caminhos são percorridos em conseqüência de uma escolha do individuo, e nao de Deus.

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